terça-feira, 14 de junho de 2016

Garanhuns é celeiro de talentos literários, diz coluna do Diário de Pernambuco

Por: Breno Pessoa - Especial para o Diario
José Mário, Helder e Nivaldo: nova safra de escritores garanhuenses. Fotos: Helder Herik / Espaço Pasárgada /

Garanhuns talvez mereça um novo epíteto além de Cidade das Flores ou Suíça Pernambucana. O município do Agreste do estado é também endereço de uma relevante safra de escritores, mais uma vez sob os holofotes com a recente conquista do autor José Mário Rodrigues, que, no início do mês, ganhou o Prêmio Sesc de Literatura 2016, na categoria contos. Na disputa com outros 708 concorrentes, ele vai ser contemplado com a publicação da sua primeira coletânea de textos, Receita para se fazer um monstro. O livro deve ser publicado em novembro, pela editora Record.

Rodrigues, 38 anos, não é um iniciante: começou a rascunhar seus primeiros textos ainda na adolescência, movido por “uma necessidade de expressão, de botar para fora os sentimentos”, diz o autor, que considera a escrita a forma mais natural de arte. “O que me leva a escrever, basicamente, é a vontade contar histórias, narrar”, completa.

Dono de um texto econômico, com frases curtas e sem uso de vírgulas, Rodrigues narra em seu primeiro livro de contos uma sucessão de histórias situadas na infância dos personagens, no período dos anos 1980. Nas tramas, passagens envolvendo brincadeiras, descoberta e amores e perdas enfrentadas pelos protagonistas. Apostando menos no saudosismo e mais nas angústias desse período, o escritor reflete também sobre a realidade brutal enfrentada por algumas crianças.

A temática realista, assim como a escrita seca, remete a autores como Graciliano Ramos e Rubem Fonseca, escritores considerados por Mario Rodrigues como “imprescindíveis”. Outro autor entre os favoritos do garanhuense é o norte-americano Cormac McCarthy, autor de Onde os velhos não têm vez.
Mais do que proximidade geográfica com outros autores locais, Rodrigues tem afinidades com outros dois expoentes de Garanhuns: Nivaldo Tenório e Helder Herik, com quem divide a produção do jornal literário u-Carbureto, que também dá nome a um selo editorial.

“Muito se fala de uma espécie de encanto na cidade, mas o que eu acho que existe uma geração de jovens, que também são leitores apaixonados, com o objetivo de escrever mais e melhor”, explica Helder Herik, ganhador do Prêmio Pernambuco de Literatura 2015, na categoria poesia. O poeta diz que o jornal foi idealizado pelos três autores como meio de publicar seus trabalhos e também de outros escritores.

Não é de hoje que a cidade tem sido celebrada por seus escritores. Em 1938, um concurso da editora José Olympio, com escritor Graciliano Ramos como jurado, premiou o garanhuense Luís Jardim (1901-1987) pelo seu livro Maria perigosa. Um dos candidatos do concurso era justamente Guimarães Rosa, inscrito com o livro Contos, sob o pseudônimo Viator. Contos, aliás, era a primeira versão de Sagarana, que viria a ser lançado oito anos depois. Jardim, autor mais conhecido por suas obras infantis, chegou a ser elogiado por Monteiro Lobato, que classificou seu livro O boi Aruá (1937) como o mais belo do gênero no Brasil.

Outra voz expressiva da cidade é Luzinette Laporte, que nasceu em Catende, na Zona da Mata, mas mudou-se para Garanhuns ainda jovem, em 1977. Autora de livros como Um amor de mulher, A menina que falava com as coisas e O homem com girassóis no olhar, é reverenciada e dá nome ao Laboratório de Autoria Literária do Sesc do município. Luzilá Gonçalves, ocupante da cadeira 38 da Academia Pernambucana de Letras e colunista do Viver, também é de Garanhuns, assim como Gladstone Vieira Belo e Valdimir Maia Leite, outros nomes consagrados no meio literário garanhuense.

Para Nivaldo Tenório, terceiro elo do u-Carbureto e proeminente autor da região, uma das possíveis explicações para a sua cidade natal ter bons escritores se deve ao clima da região e o estado de espírito da população. “Garanhuns é uma cidade fria. Eu noto que aqui as pessoas são introspectivas, são amigas, mas não visitam muito as outras. Isso faz com que elas se tranquem mais dentro de casa”, diz, sugerindo que o isolamento pode ajudar a estimular a criatividade literária.

Trecho

“Gude? Pipas? Pião? Futebol? Esqueça. Nada me animou mais nos meus anos infantis do que uma brincadeira medieval: A malhação do Judas. Aproximava-se a Semana Santa e eu sentia em mim uma espécie de música interna e as refeições diminuíam de tamanho porque aquela expectativa alegre me tirava a fome. Era bom malhar o Judas. Ver seu esquartejamento e depois ver suas partes sendo chutadas e misturadas à poeira e perdidas e jamais reunificadas. Ouvir os gritos ensandecidos de alegria dos moleques. Havia uma logística associada àquela defenestração e àquele linchamento”.
Receita para se fazer um monstro, de José Mário Rodrigues

Prêmio Sesc

Este ano a premiação teve 1.503 livros inscritos, sendo 709 na categoria de contos e 794 entre os romances. O vencedor da categoria romance também é nordestino: o jornalista e escritor baiano Franklin Roosevelt, 47 anos, premiado pelo livro Céus e Terra.

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