segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Doutoranda garanhuense sofre discriminação por ser nordestina em bar de SP

Milena Sobral Espíndola
O conceito de xenofobia tem um amplo significado e, apesar de não ser tão conhecida e comentada como sua irmã siamesa, a "homofobia", pode produzir tanto ódio e preconceito entre as pessoas, quanto esta última.  Eclode em qualquer lugar do país ou do mundo, desde que um grupo social ou um indivíduo se ache superior simplesmente por falar um sotaque diferente, ou ter nascido mais ao sul do território nacional que o outro. Geralmente se caracteriza por um preconceito exacerbado e uma acentuada falta de informação de um dos lados. 

Preconceito apenas ser por nordestina, foi o que experimentou, no último dia 01 de novembro, a  biomédica garanhuense Milena Sobral Espíndola, 29 anos, que reside atualmente em Ribeirão Preto/SP, onde faz doutorado na área de imunologia. Ela foi ao bar Goa Lounge, também em Ribeirão, se divertir com amigos, mas não imaginava que, pela primeira vez na vida, iria ser estereotipada pelo seu sotaque e região natal. Sim, ela foi. Indignada, relatou o fato ao V&C e em uma rede social,  o qual transcrevemos abaixo os principais trechos.

RELATO

O dia em que uma nordestina foi diferenciada dos demais no Estado de São Paulo

 "Decidimos, eu e minhas amigas, ir pra um bar/boate amigável (Goa Lounge) que tocava samba. Certa hora da noite, após o término do consumo do pedido inicial de bebidas (apenas destilados), muito bem servido por sinal, decidi pedir uma cerveja. Fui ao bar que havia ido anteriormente e me instruíram a ir ao bar em frente, o qual servia apenas cervejas, sucos e água. Ao chegar no bar, perguntei à bartender (Indira Furtado [no facebook: /indira.furtado.9 ] ) quais cervejas eles trabalhavam e qual delas estava mais barata.

A moça falou que eram quase todas o mesmo preço e decidi por uma importada qualquer. O problema se iniciou quando ela percebeu meu sotaque e perguntou de onde eu era. Respondi que era de Recife (em geral mais fácil de fazer entender –em Ribeirão Preto – do que minha maravilhosa cidade natal Garanhuns ). No momento seguinte fui prontamente perguntada: - “Por que não volta pra lá?” Me vi um pouco constrangida com a pergunta e respondi que pretendo. Mas até então não havia entendido aquele tipo de indagação. Então, como testemunhado por um amigo próximo, falei para a bartender que estava em SP para finalizar meu doutorado na USP, mas que tinha muito orgulho do meu estado. Tanto que após 06 anos de vida em Ribeirão Preto, não havia perdido o sotaque do lugar de onde vim ou sofrido qualquer tipo de preconceito (((relevante o suficiente))) por ser de lá. O momento de interação que se resumia em pedir uma cerveja e ser atendida se tornou em um stress pseudo-político quase interminável.

Logo a moça respondeu dizendo que aquele dia estava diferente do normal pois havia conversado com diversas pessoas de outros estados. Respondi que não sabia de nada diferente nesta noite específica, mas que pela USP incentivar a vinda de estudantes do Brasil inteiro para cursar a pós-graduação, isso deveria ser normal. NORMAL. Mas não para ela. Esta moça encheu a boca pra falar que era SEPARATISTA. Mal sabe ela o que tal palavra significa. Mas o que ela quis dizer é que ela queria mesmo que o estado de São Paulo fosse separado do restante do país. E que a crise vivida hoje é consequência da pobreza que trouxemos (vimos muitas "Indiras Furtado" por aí durante as eleições).

Percebam, meus amigos, qual ponto de ignorância sou obrigada a presenciar. Revoltada, falei novamente pra ela que era nordestina com muito orgulho. Logo ela me solta um: - “Mas você não tem cara de nordestina” - CLARAMENTE ME PROTEGENDO. O sangue me subiu de um jeito, junto com o que quer que ainda estava bebendo e respondi: - O que preciso pra, de fato, ter cara de nordestina? Me perguntei qual seria o modelo comum, pensando pelo fato que ela provavelmente nunca foi no Nordeste. Precisaria eu gastar mais tempo na praia pra parecer mais “bronzeada”?? E que cara é essa que o nordestino precisa ter? Conheço pelo menos dezenas de nordestinos gênios, seja na rua, literatura, música, teledramaturgia, teatro OU CIÊNCIA os quais não têm qualquer semelhança em estereótipo".

Milena Sobral Espíndola, via Facebook



Entramos em contato com Milena, que revelou ter ficado muito triste no momento em que foi discriminada. "Além da tristeza, o sentimento foi de indignação em saber que ainda existem pessoas com esse tipo de pensamento", disse a biomédica, que afirmou ainda ter feito um boletim de ocorrência e estar terminando de formalizar uma denúncia ao Ministério Público.

Formada pela UFPE, Milena saiu de Garanhuns no ano 2000 para estudar no Recife e em seguida partiu para Ribeirão Preto onde conclui seu doutorado. Sempre que pode, retorna a Garanhuns, cidade em que reside toda sua família por parte de mãe. Enquanto conversávamos, ela foi informada de que o bar/boate onde aconteceu o incidente divulgou nota repudiando a atitude xenófoba da funcionária. Ela foi afastada de sua função. "A desinformação, associada a disseminação de informações erradas por parte de certos grupos, são alguns dos fatos que ajudam a promover o ódio entre pessoas diferentes. sejam elas diferentes na origem, etnia, orientação sexual, cultura, entre outros", encerrou a garanhuense.


NOTA DE ESCLARECIMENTO DO ESTABELECIMENTO ONDE OCORREU O FATO

"Em nome do GOA LOUNGE, direção e toda a equipe, pedimos desculpas à Milena Sobral Espindola.

Nos sentimos tristes e envergonhados pelo fato ocorrido no dia 01/11/14, envolvendo a mesma e um funcionário da casa.
Gostaríamos de dizer e deixar bem claro que não compactuamos da mesma opinião, essa mesma vazia e totalmente sem nexo.

Nos chateamos também com o fato, por sermos filhos, parentes e termos funcionários da mesma região que você, Milena.

Existimos há 7 (sete) anos, nos firmamos com muito trabalho, construímos um ambiente alegre para nós e nossos clientes, nos caracterizamos como uma das casas mais ecléticas do estado de São Paulo e do Brasil. Totalmente livres e contra qualquer tipo de preconceito, seja ele por raça, cor, credo, etnia, político ou de nível social.

Portanto, não aceitaremos qualquer forma ignorante, intolerante, ou mesmo que chegue perto disto, verbalmente ou não.

Já estamos tomando todas as atitudes cabíveis ao caso, e podem ter certeza que nenhum erro será deixado para trás, ou livre de punição.

Obs.: Nos desculpamos também à todos que pediram e esperaram por esta nota. A página é usada por todos os promoters da casa.

ESTA É UMA NOTA OFICIAL DA DIREÇÃO, e não podíamos faze-la antes de apurar os fatos."

 DIREÇÃO - Goa Lounge - Ribeirão Preto, 03/11/14




V&C COMENTA: Não parece ter sido o caso de Milena, ou pode até ser que intrinsecamente o tenha motivado, mas o fato é que, após as eleições do último dia 26, episódios preconceituosos explodiram por todo o país antagonizando, sobretudo, o Nordeste e o Sul do país. As mensagens separatistas nas redes sociais e nas ruas foram potencializadas pelas declarações de Diogo Mainardi, de um Padre de SP e do coronel Telhada, este último pregando desavergonhadamente a separação de São Paulo do resto do Brasil, por completo desconhecimento da história da nação. Como bem disse Milena,  minorias de alguns setores disseminam o ódio entre as pessoas de regiões e culturas diferentes. O que não se pode tolerar é que estes setores sejam justamente aqueles que deveriam promover o diálogo e a desconstrução do preconceito, tais como Igreja, Imprensa e Polícia Militar, pra ficar somente nos exemplos citados acima. Lamentável.



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