sábado, 17 de dezembro de 2016

Devastado pela seca, sítio onde Lula nasceu em Caetés tem desertos e fuga do campo, diz Uol

Réplica da casa no sítio Várzea Comprida, onde Lula nasceu

Em 1952, quando dona Lindu reuniu os filhos com destino a São Paulo e deixou o sítio Várzea Comprida, em Caetés (antigo distrito de Garanhuns), a 259 km do Recife, a seca castigava e expulsava os moradores sem perspectiva. Passados 64 anos, o sítio onde nasceu o ex-presidente Lula sofre com a que é avaliada por agricultores como uma das piores secas da história.

A estiagem começou ainda no ano de 2011 e chegou ao auge neste ano, quando a falta de chuva resultou na seca completa dos reservatórios do local. Sem água, a terra seca e branca da região mais lembra um deserto, onde apenas vegetações pálidas sobrevivem, ao lado dos poucos jumentos que resistem à estiagem.

Nos últimos anos, muitos deixaram a agricultura por conta da terra improdutiva. A pecuária se tornou atividade sem futuro pela falta de água e alimento para os animais. A solução, então, foi tentar a vida em outros locais. 
Cenário no sítio onde o ex-presidente Lula nasceu sem nenhuma plantação


Foi o que fez José Carlos Vieira, 28. Ele era agricultor e, após perder toda a plantação com a severa seca de 2012, decidiu seguir os passos de dona Lindu e tentar a vida em São Paulo.Com quatro amigos, conseguiu um emprego em uma serralheria, arrumou as malas e pegou um ônibus clandestino para a capital paulista. Passou um ano e um mês na cidade, mas a serralheria entrou em crise, fechou e ele decidiu voltar.

"Dos cinco amigos que foram, quatro voltaram, porque perderam os empregos por causa da crise lá. Em São Paulo, também não está fácil, melhor ficar por aqui", conta o ex-agricultor, que, quando viajou, deixou mulher e filhos em Caetés.

No retorno, tentou voltar a plantar e criar gado. Até conseguiu uns poucos resultados graças à seca mais amena em 2014 e em 2015. Mas neste ano perdeu tudo, desistiu e comprou um trailer para vender lanches em eventos e festas da cidade.

Ele conta que conseguiu comprar o veículo porque a casa em que vivia foi desapropriada para a passagem de uma linha de transmissão. "Com a indenização, construí minha nova casa e comprei o trailer para mudar a vida", relata.

No momento em que a reportagem do UOL chegou à sua casa, Vieira entregava a última vaca e bezerro que mantinha. "Vendi os dois por R$ 1.750. Não tem jeito de viver de agricultura aqui, não. Seis anos sem chuva e sem perspectiva de chuva. Vou tentar outra coisa", diz. No seu terreno, há apenas terra seca, sem qualquer plantação.
Seca na barragem do Jorge transformou o cenário em desértico

Bolsa Família ameniza fuga

No campo, a situação é crítica para os moradores, que em via de regra dependem do Bolsa Família para sobreviver. Edvaldo Ferreira da Silva, 32, diz que só tem o benefício do governo federal. "Não tenho outra renda, não. Esses cinco últimos anos a gente plantou, fez o maior esforço e perdeu. E este ano de 2016 foi o pior de todos, nem um pé [de plantação] deu", disse. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoinha (cidade vizinha), é comum ouvir histórias de moradores da zona rural da região deixando a roça para viajar. "Já somos uma região pobre e, com a seca e a crise, principalmente o jovem fica sem nenhuma oportunidade. Muitos vão trabalhar em usinas e empresas do agronegócio no Paraná e em Mato Grosso. Mas é algo cíclico, eles vão e, quando as coisas dão uma melhorada, voltam", conta.

Luciana Caetano, professora de economia da Universidade Federal de Alagoas, afirma que a busca por alternativas fora do campo é natural porque as áreas deixaram de ser produtivas com a severa estiagem. Mas ela afirma que políticas públicas nos últimos anos ajudaram a fomentar novos negócios em cidades pobres da região.

"Uma coisa que contribuiu enormemente com a busca de alternativas em regiões mais sacrificadas pela seca foi a renda que é agregada através de alguns programas sociais, como o Bolsa Família, as linhas de créditos com taxas subsidiadas. Como uma coisa influencia a outra, o fato de ter mais volume de renda em pequenos municípios cria possibilidade de atuar com coisas novas, tanto nos setores de serviços e comércio", explica.

Ela ainda alerta que as medidas de contenção de gastos podem prejudicar as ações do combate aos estragos da seca e aumentar as fugas do campo. "Com a interrupção de programas como construção de cisternas e distribuição de carros-pipa em regiões sertanejas, apoio à agricultura familiar e redução do Bolsa Família, além de um conjunto de medidas decorrentes do ajuste fiscal, as regiões mais pobres sofrerão o impacto, com o ressurgimento de mendicância e emigração para cidades de maior porte", alerta.

Açudes secos
No sítio Várzea Comprida, a Barragem do Jorge, de onde moradores tiravam água, secou. A maior barragem ao lado, a Cajarana, está prestes a secar, e a água só serve para os animais beberem. "Nunca vi o sítio nessa situação. Já vivi secas, me lembro bem da de 1970, mas esta tá muito pior. Não adianta nem plantar", conta o agricultor Antônio Melo, 68, primo de Lula, que sempre viveu no local.

Hoje aposentado, Melo ganha um dinheiro extra negociando vacas. "Vou na feira, compro e vendo vacas. Assim me viro e ainda ganho uma coisinha a mais", conta, citando que os preços dos animais caíram muito por conta da seca. "Nem todos podem manter os animais e se desfazem deles."

Para manter vivos os três animais que tinha no dia em que recebeu a reportagem, Tonho de Sérgio, como é conhecido, compra palma e ração. "Hoje mesmo fui na feira e comprei palma e um saco de farel. Gastei R$ 97. Nem todo mundo pode comprar. É uma situação difícil mesmo", diz.


Além das compras para os animais, gasta entre R$ 120 e R$ 140 para comprar 8.000 litros de água por carro-pipa. "Dura três meses. Divido ela com meus animais, não vou dar água ruim para eles", diz.Tonho de Sérgio mora na propriedade vizinha ao terreno onde viveu a família de Lula e onde está montada uma réplica da casa onde Lula nasceu. "Tenho que dizer uma coisa: Lula foi o único presidente que fez algo pelo Nordeste. O resto, não sei que mal a gente faz para não olharem para gente", afirma.

Sem nenhuma água acumulada, o sítio inteiro é abastecido por caminhões-pipa pagos pelo Exército. A água oferecida, porém, é pouca e só serve para o consumo humano. O motorista Marcos Barbosa afirma que, com o prolongar da estiagem, é obrigado a buscar água em um manancial em Garanhuns, a 25 quilômetros. Paga R$ 35 para encher o caminhão. Antes pegava água mais próximo, a 17 quilômetros, mas o local secou. E onde pego água está secando também", diz.

O contrato de Barbosa prevê 81 viagens por mês para abastecer os moradores. "Estou há cinco anos fazendo essas viagens, mas neste ano está mais complicado do que nos outros. Está muito seco, e os mananciais secando mais", diz.
Primo de Lula, o agricultor Antônio Melo, 68, ganha um dinheiro extra negociando vacas
Uol



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