terça-feira, 20 de agosto de 2013

Jurema, a cidade onde a população tem vida curta e sofrimento prolongado

No último dia da série sobre IDH, histórias de uma gente cuja expectativa de vida é de 65,87 anos. A cidade de Jurema tem o menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Estado quando o assunto é longevidade.


José Ailton Costa, o Galego, duas vezes prefeito de Jurema (2004 e 2008), não acreditou. “Devem ter confundido com Jurema lá do Piauí. Não pode ser.” O espanto foi provocado pela notícia de que a cidade da qual foi gestor durante oito anos está não só entre as de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) mais baixo do Estado (tem 0,509), mas é aquela de menor longevidade e esperança de vida, perdendo inclusive para Manari, a única de IDHM muito baixo. Enquanto a última tem longevidade de 0,682 e esperança de vida ao nascer de 65,89 anos, Jurema tem 0,681 e 65,87 para os mesmos marcadores. Em tempo: a cidade homônima piauiense tem IDHM de 0,555, longevidade de 0,767 e esperança de vida ao nascer de 71,04 anos. Como se vê, está bem melhor que sua “irmã gêmea” pernambucana.

Jurema, assim como as primeiras cidades trazidas nesta série, Manari (domingo) e Itaíba (ontem), apresentou melhoras significativas em seu IDHM nos últimos 20 anos. Em 1991, o índice era de ridículos 0,227. Subiu 55,51% até 2000, quando chegou a 0,353. Aumentou mais 44,19% até o índice atual. Segundo o Pnud, o hiato de desenvolvimento humano (a distância entre o IDHM do município e o limite máximo do índice, que é 1), foi reduzido em 36,48% entre 1991 e 2010. A questão é que os números tão animadores são, no caso de todas as cidades, quase um milagre: sofrendo sucessivos desmontes realizados por gestões envolvidas com irregularidades como desvios de recursos, os municípios vistos nesta série poderiam, hoje, ter índices mais positivos para orgulhar sua população, e não o contrário.

Enquanto considera o fato de contactar o Pnud para que este reveja a parte que cabe a Jurema no relatório divulgado no final de julho, José Ailton da Costa vai contabilizando as melhorias na saúde da cidade, área vital para a construção do índice longevidade. “Em 2005, a cidade não tinha uma única ambulância. Hoje, temos oito, uma com UTI. O hospital (Santa Quitéria) tem 20 leitos e maternidade. Também pagamos bem aos médicos daqui, R$ 8 mil, com os encargos são R$ 10 mil, o dinheiro é enviado pelo governo federal”, anuncia ele, que em janeiro deste ano foi multado pela Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado (TCE) em R$ 12 mil por ter comprometido mais de 54% da receita corrente líquida da prefeitura com a folha de pessoal no primeiro quadrimestre de 2012. De acordo com a análise do relator do processo, Romário Dias, o ex-prefeito foi notificado a enxugar a folha, mas, ao contrário, realizou novas contratações. Em 2010, o Ministério Público Federal (MPF) acusou José Ailton, além dos secretários municipais Antônio Roberval Maciel da Silva, Deusigleby Soares Macena e Vilma Severina Ferreira da Silva, de improbidade administrativa. A acusação: malversação de recursos públicos federais ligados aos programas de Atenção Básica em Saúde e Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Ambos, no caso, igualmente vitais para o índice de longevidade da cidade.

Em Jurema, de fato, é difícil entender como uma cidade simpática, de ruas limpas e várias casas antigas ainda bem conservadas está entre as menos desenvolvidas de Pernambuco. Basta, no entanto, conversar com algumas pessoas dali para localizar onde está o “problema”: “Vocês já foram em Queimadas?”, pergunta a proprietária de uma lanchonete local, que preferiu não se identificar. Único distrito do município, Santo Antônio das Queimadas concentra quase metade de Jurema. Embora o distrito também tenha mantido um casario bonito, salvo de maiores intervenções porque ali felizmente o que se entende geralmente por “progresso” não chegou, a separação entre ambos os locais é nítida. Casas e moradores mais pauperizados são vistos em maior número. No posto de saúde, não é difícil localizar bebês abaixo do peso. A médica Luciana Melo, que chegou em 2011 no local, conta que as combinadas 15 consultas que deveria fazer em um dia sobem, em média, para 40. “E ainda preciso fazer as visitas domiciliares”, conta ela, cujo humor, compreensivelmente, já era inexistente no final de um dia de atendimento. O problema é que os pacientes, a maioria da zona rural, terminam sendo penalizados pela impaciência dos profissionais sobrecarregados. É uma situação injusta com todos.

Já estigmatizados por viver em Santo Antônio das Queimadas, os moradores da Rua Ana Rosa (ou Rua da Pedra) são ainda mais marcados dentro do distrito. Vivem no que ali chamam de “favela”, algo difícil de acreditar para quem vive em uma cidade como Recife e acostumou o olhar a palafitas em alagados. Na Ana Rosa, duas grandes fileiras de pequenas e bonitas casas coloridas, que lembram bandeiras de São João, guardam em grande quantidade a pobreza e a baixa longevidade que José Ailton não consegue compreender. Em uma delas, pintada de azul, vivem Luiza Bezerra (21), Marcos (30) e Vitória (3). Na sala, existe apenas uma rede. No canto, uma saca de feijão. Não há energia elétrica nem água encanada. À noite, acendem um candeeiro improvisado, que já manchou as paredes da casa cujo aluguel custa R$ 70. No segundo dia em que a reportagem visitou Luiza, ela cozinhava, em um fogão improvisado em um latão vazio de tinta, à base de carvão, alguns pedaços bastante gordurosos de carne de charque. Seria o almoço que ela logo mais iria oferecer a Vitória, que estava na escola. Caso a história familiar não mude, é com esse tipo de alimentação inadequada que a menina vai crescer. A merenda da escola é a coisa boa.

Do JC

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